segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Lentes que distorcem a realidade

É a forma como percepcionamos a realidade, e não a realidade em si, que desencadeia as emoções e os comportamentos face a uma situação.

A esta percepção, gosto de chamar lentes que nos filtram a realidade. Como se ao longo da nossa existência fossemos somando lentes às armações vazias com que nascemos. Tal como numa consulta de oftalmologia onde vamos adicionando e experimentando as lentes que melhor nos filtram na realidade.

Claro está que estas lentes (que bem entendido não questionamos e julgamos como verdade absoluta sobre nós e sobre o mundo) foram em tempos defesas e percepções adequadas à realidade vivida.

Imaginemos uma criança que experimenta uma relação com os Pais em que é alvo de críticas constantes sobre o seu desempenho escolar. Facilmente poderemos perceber que crie um auto conceito de ser incapaz em tarefas cognitivas. Poderá também adoptar uma postura de perfeccionismo e intolerância à falha  como defesa desta crítica que tanto lhe doi. Teremos então uma criança que cresce com duas lentes nas suas armações - a de incompetência e a da exigência, que não questionará ao longo da sua existência ainda que lhe cause dano, que seja desligada da realidade e que faça com que a experiência de errar extrapole o erro em si e se alastre para esta noção de ser incapaz.

A experiência emocional daquele erro é de tal forma avassaladora, pois já não se cinge a ele, que acarreta a noção de falhar sempre, de auto critica severa.

Claro está que muitas outras lentes poderiam ter sido adoptadas por aquela criança. Poderia ter desinvestido, desvalorizado as experiências intelectuais por se julgar como incapaz de as cumprir, desistir perante qualquer caminho que percepcionasse como exigente de capacidades cognitivas que julgava não possuir.

Ainda assim, qualquer das lentes que tivesse adoptado, ainda que possamos entender e até empatizar com a razão pela qual foram escolhidas (de certa forma minimizar o sofrimento relacionado com a crítica parental), não seriam já necessárias perante a realidade actual, tornando-se disfuncionais e causadoras de comportamentos desadequados face à realidade hoje vivida. Seriam igualmente causadoras de sofrimento, quando na sua génese seriam protectoras.

Certamente esta será uma análise simplista daqueles que podem ser os pensamentos automáticos e os sistemas de crenças que os acompanham. Ainda assim, julgo importante que possa de certa forma compreender a existência destas lentes e as possa questionar.

No processo psicoterapêutico com uma abordagem cognitiva comportamental, e noutras abordagens que se querem integrativas, o reconhecimento e identificação destes Pensamentos Automáticos, dos Sistemas de Crenças e das Distorções Cognitivas, são parte do que leva à mudança no sentir e no fazer.

Desafio-o hoje a dar-se conta, aqui e agora, destas lentes. E porque não, a trabalhá-las num processo psicoterapêutico.

Um abraço.

Catarina Satúrio


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